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Indústria da carne está num “exercício de sobrevivência”, diz Paulo Adario f2a63

Ex-diretor da campanha Amazônia do Greenpeace afirma que, para não perder mercados, as próprias empresas do ramo não querem comprar gado de desmatamento

Juliana Tinoco · Bernardo Camara · Marcio Isensee e Sá ·
18 de maio de 2017 · 8 anos atrás

Quando o século 21 apontou no calendário, já havia muito mais boi do que gente espalhado pela Amazônia. Cerca de quatro cabeças de gado por cada humano. E as lentes dos satélites não deixavam dúvida: depois que a floresta tombava, era a boiada que avançava sobre a terra arrasada. “Quando o Greenpeace chegou à Amazônia, no final da década de 1990, a gente estava muito preocupado com a questão do desmatamento, e o gado bovino era o principal personagem da história”, diz Paulo Adario, que abriu as portas da ONG na região.

Os órgãos de fiscalização sabiam bem disso. Entrava ano, saía ano, e lá estavam eles de prontidão no campo, embargando fazendas, apreendendo rebanhos e distribuindo multas milionárias. O problema, porém, só crescia, na mesma proporção que os rebanhos. A virada do jogo começou a partir de 2007, quando o procurador Daniel Azeredo assumiu a cadeira de meio ambiente do Ministério Público Federal em Belém, no Pará, estado da Amazônia que mais trocava floresta por gado.

Azeredo percebeu rapidamente que as ações de comando e controle não eram suficientes para mudar aquele enredo. “Não adiantava ir ao campo, multar fazendeiro. Isso não causava efeito prático nem fazia medo”, afirma. Mergulhou a fundo na complexa cadeia produtiva da pecuária e vasculhou documentos de fazendas, transações comerciais, imagens de satélite e tudo mais que encontrava pela frente sobre o assunto. Foi quando o Greenpeace bateu à porta do MPF para dizer que estava fazendo o mesmo. As forças se somaram.

“O consumidor não conseguia associar um pedaço de filé mignon a uma árvore caída. A não ser que a gente trouxesse para ele uma narrativa que ligasse a carne que ele comprava à destruição da floresta amazônica”

“O consumidor não conseguia associar um pedaço de filé mignon a uma árvore caída. A não ser que a gente trouxesse para ele uma narrativa que ligasse a carne que ele comprava à destruição da floresta amazônica”, diz Adario. E foi o que fizeram: após dois anos de investigação, o Greenpeace publicou, em 2009, o relatório Farra do Boi na Amazônia. De ponta a ponta, ele trazia um raio-x da cadeia produtiva do gado. Pela primeira vez, ficava evidente que a carne exposta nas prateleiras de grandes redes de supermercados e o couro que virava sapatos e bolsas de marcas famosas na Europa vinham de boi criado em áreas desmatadas da Amazônia.

No lançamento do “Farra do Boi”, os ativistas do Greenpeace já estavam preparados para fazer barulho na porta das empresas envolvidas nesta complexa cadeia produtiva. Mas nem precisaram se mexer. “Só a notícia de que ia sair o relatório deixou os grandes frigoríficos tensos, e a indústria rapidamente quis conversar com a gente”, diz Adario. E, de fato, deu-se ali um o inédito: os maiores frigoríficos que operavam no bioma se comprometeram publicamente a não comprar mais gado criado em áreas recém-desmatadas. Além disso, prometeram desenvolver um sistema de monitoramento de seus fornecedores. Foi naquele momento, também, que a indústria firmou com o MPF um Termo de Ajustamento de Conduta com objetivos semelhantes.

Para Paulo Adario, essa movimentação é sinal de novos tempos em que o mercado não irá mais aceitar produtos que tenham altos impactos ambientais. “O custo para uma indústria de ter a imagem dela prejudicada é enorme. E esse é o grande aprendizado dos acordos de mercado: eles não são um exercício de maquiagem verde do que a indústria está fazendo. São  um exercício de sobrevivência”.

 

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Comentários 2 2j4a28

  1. Ebenezer diz:

    Nada sobre a fazenda do Lulinha em S.Félix do Xingu??


  2. Chato de Galocha diz:

    Parei de ler em Greenpeace.