A nova Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB) foi publicada buscando direcionar mais dinheiro e força política para que o país realmente proteja e use de forma equilibrada sua biodiversidade, prevendo ações de diferentes setores públicos e privados.
Para explicar os grandes desafios pela frente, ouvimos Michel Santos, gerente de Políticas Públicas da ong WWF-Brasil, e Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano. Confira abaixo os principais pontos da entrevista.
As medidas anunciadas estão alinhadas a compromissos de conservação, como da Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) e da Convenção da Diversidade Biológica das Nações Unidas? f1y2v
Michel Santos – Sim. O decreto instituindo a nova EPANB representa um o importante para o Brasil alinhar suas políticas nacionais às deliberações da Conabio, ao Marco Global da Biodiversidade adotado na COP-15, em Montreal, e responde diretamente a uma das principais diretrizes reforçadas na COP16, em Cali, que é a de que os países apresentem e comecem a implementar seus planos nacionais de biodiversidade de forma urgente e transparente. O Brasil, como país megadiverso, tem um papel fundamental na implementação desses acordos, e a EPANB fornece a bússola estratégica para esse caminho, com metas ambiciosas e coerentes com as realidades e potencialidades do país. O processo participativo que marcou a construção da EPANB igualmente está em sintonia com o chamado por maior inclusão, equidade e corresponsabilidade na agenda global. Acima de tudo, a da EPANB marca uma retomada importante da agenda de biodiversidade como prioridade de Estado.
Alexander Turra – Teoricamente sim. Estamos alinhados com esses movimentos internacionais e tentando alcançá-los, com diferentes tipos de estratégias. Mas, não necessariamente a gente tem conseguido. Na recente 3ª Conferência da ONU sobre Oceanos, na França, o presidente Lula reforçou o compromisso de chegarmos a pelo menos 30% de áreas marinhas efetivamente protegidas do Brasil. E esse é um grande problema. Hoje há 26% aproximadamente, mas temos várias unidades de conservação sem plano de manejo, que às vezes têm mas que não são implementados, muitas outras que não tem nem conselho. Então, a gente precisa ter esse esforço muito grande para implantação. Isso demanda não só um compromisso político, mas também um investimento para fortalecer os órgãos responsáveis por isso, federais, estaduais e municipais, todos importantes para criar e também na gestão das unidades de conservação já criadas.
Sobre a taxa de 30% de área conservada, ela deve incluir as parcelas mais importantes para a biodiversidade, bem conectadas e manejadas, certo? 2d3y1m
Alexander Turra – Exato. amos um pouco dos 26% com as duas imensas unidades de conservação criadas no governo Temer, ao redor dos arquipélagos de São Pedro e São Paulo e de Trindade. Elas não são representativas [de toda a biodiversidade marinha brasileira] e também não contribuem para a conexão das áreas já existentes. Esses são critérios qualitativos fundamentais para que a gente tenha uma rede conectada de áreas protegidas que funcionem não só individualmente, mas também no seu conjunto. Então, o que a gente precisa é ter uma estratégia que, no caso do Brasil, talvez seja necessário mais do que 30% para que a gente proteja ambientes que sequer foram bem estudados ou que não estejam representados em conservação, como os bancos de rodolitos, a cadeia Vitória-Trindade e até mesmo os corais na foz do Amazonas.
Como driblar ou reduzir as pressões políticas e econômicas contrárias à proteção dessas regiões? v5n1o
Alexander Turra – Muitas dessas discussões acabam sendo pontuais e ou servem para alimentar redes sociais e o eleitorado de algumas pessoas. Elas não aprofundam o debate sobre o que realmente está se propondo. Porque tem propostas hoje, inclusive que emergiram no governo Temer, sendo retomadas para se pensar sobre qual seriam cenários apropriados para a bacia sedimentar da Foz do Amazonas. Há áreas inclusive muito importantes para a reprodução de espécies valorizadas pela pesca artesanal e industrial que não sobrepõem às de exploração de petróleo. Ou seja, a região precisa de proteção de qualquer maneira. Se os políticos querem trazer prosperidade para a população, uma coisa não pode ocorrer sem a outra – proteção ambiental e desenvolvimento econômico. Temos uma oportunidade muito grande para criar uma condição de financiamento da sustentabilidade com a exploração de petróleo regional. Por exemplo, a USP e universidades do Maranhão, do Pará e do Amapá, debatem sobre quais seriam as alternativas para promover o desenvolvimento sustentável na região, incluindo implantar e criar áreas marinhas protegidas.
Há temas a serem agregados, melhorados ou mais bem observados na EPANB? 396w2c
Michel Santos – Sempre há espaço para aprimoramento, especialmente em uma agenda complexa como a da biodiversidade. Dois pontos merecem atenção contínua. Um é o detalhamento dos meios de implementação, com destaque para financiamento, capacitação e monitoramento. Outro é o da “transversalização” efetiva das metas da EPANB em outras políticas públicas, especialmente as de agricultura, infraestrutura, energia e finanças. Também será importante garantir que a EPANB não fique restrita ao nível federal, mas inspire planos subnacionais e compromissos locais.
Quais os desafios da EPANB frente às variadas ameaças à biodiversidade no Brasil? 475n5w
Michel Santos – Para que a EPANB se concretize, será necessário garantir medidas de longo prazo que articulem conservação, inclusão social e desenvolvimento sustentável. Ela não pode ser um fim em si mesmo. Isso inclui fortalecer a governança ambiental, ampliar o orçamento para sua implantação, combater retrocessos legais e promover ações integradas com os setores produtivos. O Brasil fez avanços significativos nos últimos anos, especialmente no combate ao desmatamento na Amazônia. Os dados mostram que é possível reduzir a perda de cobertura vegetal quando há vontade política, coordenação entre órgãos e engajamento da sociedade. No entanto, a pressão sobre a biodiversidade continua intensa – na Amazônia e em outros biomas, como o Cerrado e o Pantanal – impulsionada por atividades ilegais, mudanças no uso do solo, poluição, espécies invasoras e mudanças climáticas. O “PL da Devastação” é um exemplo dessa pressão. Se for aprovado, intensificará a perda de biodiversidade. Apesar dos desafios, estamos no caminho certo. A EPANB representa um avanço importante e sinaliza que, mesmo diante de problemas complexos, o Brasil tem capacidade e compromisso para virar o jogo em favor da biodiversidade.
Alexander Turra – Não há como trabalhar fortemente na implantação de uma política pública sem fortalecer as instituições que têm o mandato de implementá-la. Esse é o maior problema das políticas públicas brasileiras, as falhas, as lacunas de implementação. Para que a EPANB não fique no sonho, precisaremos ter concursos, um diálogo mais amplo com as universidades e trabalhar de forma mais articulada e orquestrada.

Há especificidades para executar a estratégia e o plano em cada bioma? 142a3c
Michel Santos – Sim. Cada bioma brasileiro tem características próprias e diferentes níveis de atenção do poder público. A Amazônia, por exemplo, concentra a maior parte das áreas protegidas do país e tem recebido mais cuidado, ainda que isso esteja longe de ser suficiente frente ao risco crescente de atingir um ponto de não retorno. Os demais biomas enfrentam um claro déficit de proteção, o que exige esforços contínuos para avançar na criação e, sobretudo, na gestão efetiva dessas áreas legalmente protegidas. A implementação da Meta 3 da EPANB dependerá desse olhar atento às especificidades de cada território, garantindo representatividade ecológica e conectividade entre ecossistemas. [A Meta 3 da EPANB prevê que, até 2030, ao menos 30% das áreas terrestres, águas continentais e áreas costeiras e marinhas, sobretudo as mais importantes para a biodiversidade e funções ecossistêmicas, sejam efetivamente conservadas e manejadas por sistemas de áreas protegidas e outras medidas eficazes de conservação. Além disso, tais áreas devem ser representativas, bem conectadas e equitativamente governadas, reconhecendo os direitos dos povos indígenas e tradicionais…]
Como a estratégia e o plano podem ser conduzidos para melhor proteger ambientes costeiro-marinhos? 6t5325
Alexander Turra – O ambiente marinho tem suas especificidades, como o seu dinamismo, as correntes que vão e voltam de vários locais, a sua tridimensionalidade. Tudo isso influenciando as espécies e sua conservação. Isso traz, por exemplo, uma uma questão muito prática, quando você fala de empreendimentos planejados, tipo uma exploração de petróleo. Nesses casos, você tem que considerar uma área de influência regida pelas correntes marinhas da região, o que pode chegar a centenas de quilômetros. Os impactos no ambiente marinho, eles se dispersam muito mais amplamente. Bem diferente do que se pesa em terra, quando isso está a uma faixa delimitada no entorno das unidades de conservação.
Quais as diferenças principais para cumprir metas de conservação da biodiversidade e de proteção do clima? d6d5i
Michel Santos – Mais do que diferenças, é fundamental destacar as sinergias entre essas agendas. Tanto a Convenção da Biodiversidade quanto a do Clima surgiram na Rio-92 e têm objetivos interdependentes: conservar a biodiversidade ajuda a enfrentar a crise climática, e mitigar as mudanças climáticas contribui para a resiliência dos ecossistemas. Ainda assim, há distinções em seus instrumentos e abordagens. A Convenção do Clima tem uma dinâmica fortemente voltada à redução de emissões de gases de efeito estufa, com foco em setores como energia, transporte e indústria. Já a da Biodiversidade se debruça sobre o uso sustentável e a repartição de benefícios da biodiversidade, com maior presença de temas territoriais, como áreas protegidas, conhecimentos tradicionais e espécies ameaçadas. Apesar disso, as sinergias são crescentes e indispensáveis. A EPANB pode — e deve — ser uma ponte estratégica entre biodiversidade e clima, especialmente ao promover soluções baseadas na natureza, restauração de ecossistemas e gestão territorial integrada. Vale destacar que houve um esforço deliberado de integração entre os processos de planejamento da EPANB, da atualização da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) e do novo Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. Isso reforça a necessidade de abordagens sistêmicas e coordenadas. A COP30, que será realizada em Belém do Pará, terá tudo para ser não apenas a COP do Clima, mas também da natureza. O Brasil tem a chance de mostrar que é possível liderar uma nova fase da agenda ambiental global com soluções integradas e baseadas em sua diversidade sociobiológica.
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