Reportagens

Como as unidades de conservação podem resistir à crise climática? 1f5b2k

Projeto observa também a segurança de populações tradicionais e outras pessoas vivendo dentro ou ao redor dessas áreas

Aldem Bourscheit ·
5 de junho de 2025

Um projeto em reservas privadas nos biomas mais devastados do país quer criar modelos para que animais, plantas e pessoas que vivem em áreas naturais sofram menos com enchentes, secas e outros eventos extremos derivados da crise do clima. 

Parques nacionais, reservas biológicas e outros tipos de unidades de conservação, além de corredores ecológicos e mosaicos desses territórios são a melhor ferramenta para manter a biodiversidade, reconhecem governos e cientistas mundiais. 

Tais áreas mantêm igualmente populações tradicionais, como de extrativistas a pequenos agricultores. Além disso, estocam grande quantidade de Carbono, um gás de efeito-estufa que aumenta a temperatura média global.

“Sem as unidades de conservação, a crise climática seria ainda maior”, destaca o biólogo André Zecchin, o gestor da reserva particular do patrimônio natural (RPPN) Salto Morato, em Guaraqueçaba, na Mata Atlântica do Paraná.

Contudo, a mudança do clima não respeita fronteira alguma e pode bagunçar o xadrez da conservação. Os danos já incluem mais enchentes e incêndios em reservas como a Salto Morato e Serra do Tombador, essa no Cerrado de Goiás. “São efeitos evidentes nos últimos anos”, descreve Zecchin.

Tentando conter esses e outros prejuízos, as reservas são palco de um projeto para inserir a crise do clima no manejo de unidades de conservação. Para isso, serão mapeadas áreas de maior risco e desenhadas medidas para conter prejuízos à natureza e às pessoas. 

Segundo o coordenador do projeto e do Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (Lageamb) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Eduardo Vedor, o cardápio de ações pode ter manejo do fogo, conter a força das águas, melhorar a comunicação local e até recuperar o curso de rios.

“Isso protegerá de espécies ameaçadas a comunidades humanas, chegando a resultados da conservação mais eficientes”, resumiu o também pós-doutor em Ordenamento Territorial pela Universidade Nacional de Cuyo (Argentina).

Trilha aquática na RPPN Salto Morato, no Paraná. Foto: José Paiva

O manejo do fogo inclui queimar áreas com espécies nativas ou exóticas, como a braquiária, para reduzir o combustível dos grandes incêndios, bem como abrir aceiros para frear a dispersão das chamas. 

Na Serra do Tombador, em Cavalcante (GO), a ameaça do fogo descontrolado foi contida até com um grupo de WhatsApp, onde queimadas são antes informadas a moradores, brigadistas e fazendeiros. 

“Há três anos não há uma grande queimada na região”, comemora  Zecchin. “Daí a importância de envolver as comunidades na construção dos planos [de adaptação climática das unidades de conservação]”, ressalta o biólogo.

Em outras áreas, há outras alternativas. Na região da Salto Morato, o rio de mesmo é fonte de água e outros serviços para produtores rurais. “A relação da comunidade com a UC é evidente”, ressalta o biólogo André Zecchin. 

Todavia, as cheias do manancial prejudicam os mesmos agricultores e até bloqueiam o turismo na reserva. Saídas seriam bacias de contenção e até recuperar o leito histórico do manancial, alterado sobretudo pela criação de gado, até os anos 1980.

“A restauração da área foi ambiental, não de sua paisagem”, explica Vedor (UFPR). “Reconectar o rio com seu antigo traçado pode manter água por mais tempo na reserva, reduzindo prejuízos ambientais e econômicos”, projeta o especialista.

As reservas de Salto Morato e da Serra do Tombador foram reconhecidas pelo governo federal, respectivamente em 1994 e 2009, somam quase 9,6 mil ha e são geridas pela Fundação Grupo Boticário, que apoia o “Projeto Adaptando Unidades de Conservação”.

Planalto e vale com Cerrado preservado na RPPN Serra do Tombador. Foto: José Paiva

Biodiversidade aquecida 4633a

Um dos focos do projeto liderado pela UFPR é como manter a biodiversidade frente aos desvarios do clima. Isso é fundamental para espécies raras ou ameaçadas de extinção, dentro das unidades de conservação ou em outras áreas naturais. Os desafios não são pequenos. 

Parte das moradas conhecidas do mico-leão-da-cara-preta (Leontopithecus caissara) estão abrigadas nos parques Nacional do Superagui (PR) e Estadual Lagamar de Cananéia (SP). Se a crise do clima prejudicar essas áreas, a espécie pode ser eliminada ou ter seus números muito reduzidos.

Situação ainda mais dramática enfrentam diminutos sapos do gênero Brachycephalus. Abrigados em cadeias montanhosas das regiões Sudeste e Sul, não teriam como escapar da alta da temperatura. “Poucos graus acima da média podem extinguir muitas espécies”, avisa Eduardo Vedor.

“Cada grupo de espécies merece um olhar específico, pois podem ter reações diferentes frente aos extremos climáticos”, destaca o coordenador do Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (Lageamb) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Uma ação estratégica é conectar áreas protegidas ou conservadas com corredores ecológicos. Isso permite aos animais buscarem áreas menos quentes, mas também facilita a dispersão de plantas afetadas pela crise do clima.

“Os animais têm mais mobilidade, claro, mas há limites para os deslocamentos de certas espécies. Daí a importância dos corredores entre unidades de conservação”, detalha André Zecchin, da Fundação Grupo Boticário.

Contornos inusitados da vegetação preservada na RPPN Salto Morato. Foto: José Paiva

Os pesquisadores ligados ao projeto esperam apresentar já na COP30 do Clima, em novembro, em Belém (PA), um diagnóstico inicial e sugestões de medidas para conter os riscos nas unidades de conservação. Versões mais sólidas dos planos virão até o fim do ano que vem.

“Criaremos um roteiro junto com ICMBio que possa ser replicado nas unidades de conservação no país”, prevê André Zecchin, da Fundação Grupo Boticário.

O projeto previu incluir 12 unidades de conservação nos testes de adaptação climática, metade de proteção integral, como parques nacionais, e o restante de uso sustentável, como áreas de proteção ambiental. Isso pode ser obtido com apoio federal.

Coordenadora de Emergências Climáticas e Epizootias do ICMBio, Cláudia Sacramento diz que projetos da autarquia avaliarão ameaças do clima em unidades de conservação no Rio Grande do Sul, Amazônia e Pantanal. “Os resultados contribuirão para o trabalho da UFPR”, adianta.

Em seguida, explica a especialista, os roteiros para adaptar à conservação aos extremos climáticos deverão ser incorporados na criação e melhoria no manejo de parques e outras unidades de conservação, no país todo. 

“Eventos extremos se tornaram tão frequentes que não podem mais ser ignorados na gestão das áreas protegidas”, ressalta. “Isso trará mais segurança para os ambientes, turistas, servidores, voluntários e moradores”, destaca.

Não há dúvida disso, bem como de que proteger e recuperar ambientes naturais é estratégico para que o Brasil e o planeta façam frente à crise climática que se agiganta, lembra o biólogo André Zecchin. 

“A emergência do clima está aí, batendo na nossa porta. Precisamos olhar ainda mais para as nossas unidades de conservação. A solução da crise está na natureza”, ressalta.

  • Aldem Bourscheit 1n3h3j

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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