Reportagens

Da bursite à cárie 4o3a55

Pesquisadora sergipana comanda no Rio de Janeiro estudos sobre as propriedades medicinais de plantas do Norte e Nordeste. Em pouco tempo, bons resultados.

Juliana Tinoco ·
6 de maio de 2005 · 20 anos atrás

Celuta Alviano, professora do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), jura que tentou não influenciar os filhos na escolha de suas carreiras. Mas não teve jeito. Daniela e Wagner seguiram os os da mãe e hoje também são pesquisadores da universidade, ela no Instituto de Microbiologia e ele no de Ortodontia. A família Alviano trabalha unida em um projeto que mobiliza vários departamentos biomédicos da UFRJ. Eles querem conhecer o poder curativo das plantas da Caatinga e da Amazônia.

O projeto chama-se “Estudos interdisciplinares para o uso sustentável da flora da região Norte e Nordeste com potencial farmacológico”. Nasceu no Laboratório de Microbiologia, comandado por Celuta e Daniela, chegou à Ortodontia de Wagner e logo se espalhou para além dos Alviano, ando a ser desenvolvido também nos laboratórios de Bioquímica, Biofísica e Farmacologia. Escolhidas e obtidas pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), as plantas am por experimentos que buscam comprovar suas capacidades antibacterianas, antivirais, antifúngicas, antitumorais e analgésicas. O objetivo é contribuir para o desenvolvimento de novas drogas.

Nascida e criada no Sergipe, a professora Celuta, especialista em fungos, começou a se interessar pela medicina popular das regiões Norte e Nordeste há quatro anos. Uma de suas primeiras curiosidades foi com relação à fibra do coco-cravo (Cocos nucifera, na foto, com anel cor-de-rosa), espécie muito encontrada da Bahia até o Rio Grande do Norte. A população de baixa renda costuma usar essa fibra em compressas no tratamento de bursite e artrite. Outra planta investigada foi a casca da árvore sacaca (Croton cajucara Benth), típica da região amazônica, utilizada como infusão contra desordens gastro-intestinais. A impressionante correlação verificada pela pesquisadora entre o uso das plantas e a melhora dos pacientes levou Celuta a iniciar um estudo mais minucioso de suas propriedades medicinais.

Os primeiros resultados foram animadores. As fibras do coco-cravo mostraram-se eficazes no combate a bactérias e vírus, podendo ser utilizadas em aplicações locais contra ferimentos. Em testes com animais, algumas substâncias do extrato de casca de sacaca reduziram inflamações e úlceras. Na natureza, as plantas produzem compostos para se protegerem de ameaças externas, como micróbios e fungos. “Em um único extrato de planta, podem ser encontrados efeitos contra diversos agentes nocivos”, diz Daniela Alviano. Daí o interesse de várias áreas médicas em descobrir seus poderes ocultos, além daqueles indicados pela cultura popular.

O coco-cravo e a sacaca, por exemplo, vêm se revelando úteis para tratamentos dentários. Pelas pesquisas conduzidas por Wagner Alviano, a fibra do coco nordestino pode ser uma opção no tratamento contra a cárie e no combate a gengivites e infecções causadas pela bactéria Cândida albicans. Tem a vantagem de não causar os efeitos colaterais de remédios feitos à base de Clorexidina, como perda de paladar, escamação da mucosa e escurecimento dos dentes, se aplicada por longos períodos. A sacaca, por sua vez, inibiu o crescimento de todos os microorganismos testados até agora.

No laboratório de Ortodontia, a pesquisa se estendeu ao cipó-mil-homens (Aristolochia brasiliensis), planta muito usada na fabricação de cachaça no Nordeste. Diz a lenda que o mil-homens, cuja raiz é utilizada contra cólica e dores de estômago, ganhou esse nome devido a um episódio em que Carlos Chagas usou a planta para tratar de vários operários de uma ferrovia contaminados por malária. Os testes são feitos em salivas e placas de pessoas que usam aparelhos ortodônticos fixos, ambiente onde o número de micróbios chega a ser o triplo do normal. O mil-homens apresentou alto teor microbicida, mas é bastante tóxico. Os testes de toxicidade permitem calcular as dosagens corretas dos extratos para uso humano.

O próximo o é a realização de experiências em pessoas, que ainda aguardam aprovação de um Comitê de Ética. Garantida a eficácia dos compostos em seres humanos, pode-se pensar na comercialização. O grupo vem negociando uma parceria com o laboratório Aché e o Banco do Nordeste para financiar essa etapa e a continuidade das pesquisas.

Mas por que as plantas têm que vir do Norte e Nordeste para serem estudadas no Rio? Simples: a maioria das universidades dessas regiões, mesmo as federais, não têm condições de realizar pesquisas semelhantes. A participação da Universidade Federal de Sergipe no projeto está voltada à coleta e identificação inicial das plantas e ao trabalho junto aos moradores locais, procurando obter deles os conhecimentos tradicionais sobre as diferentes espécies. “Não foi fácil obter as informações sobre os efeitos curativos das plantas com os mateiros locais”, conta Daniela Alvano. Os mateiros, principais detentores do saber sobre o poder das plantas, atuam como curandeiros e muitas vezes preferem guardar segredo sobre suas propriedades medicinais. Os alunos da universidade em Sergipe visitam as regiões mais carentes e fazem palestras para esclarecer a população sobre a importância das pesquisas.

Celuta afirma que o propósito maior do projeto é favorecer o plantio e a extração sustável das plantas destas áreas, onde não existe cuidado de preservação e nem retorno positivo para a população. Árvores como a sacaca sofrem hoje extrativismo desenfreado. “É preciso criar um plano de conscientização popular sobre a importância das plantas da região”, defende a pesquisadora.

A família Alviano garante que ainda há muito a ser pesquisado sobre a flora destas regiões. O interesse de outros laboratórios, que torna o projeto multidisciplinar, abre portas para novas descobertas. O laboratório de Farmacologia da UFRJ, por exemplo, estuda as propriedades analgésicas das plantas, enquanto os de Biofísica e Bioquímica estão concentrados em seus efeitos antitumorais.


* Juliana Tinoco tem 20 anos, cursa Jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e faz estágio nO Eco. Esta é sua primeira reportagem.

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    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

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