Notícias

COP 23 testa resiliência do “espírito de Paris” 263g6c

Conferência do clima enfrenta retorno da polarização norte-sul, precipitado pela eleição de Trump, que contamina diálogo sobre ampliação de metas de corte de emissões e de financiamento

Claudio Angelo ·
6 de novembro de 2017 · 8 anos atrás
Trump anuncia saída do Acordo de Paris. Foto: Reprodução de TV.
Trump anuncia saída do Acordo de Paris. Foto: Reprodução de TV.

A 23a conferência do clima da ONU começou nesta segunda-feira (6) em Bonn com uma missão declarada: rascunhar o livro de regras do acordo do clima de Paris. No entanto, o que estará à prova nas plenárias e nos corredores do Centro Mundial de Conferências da antiga capital alemã é a própria capacidade dos 196 países-membros da Convenção do Clima de manter viva a lógica que permitiu o tratado de 2015. O espírito do “um por todos, todos por um” que animou Paris enfrenta seu primeiro teste real.

É fundamental, obviamente, que a conferência de Bonn termine com um texto que permita a finalização do complexo manual de implementação do Acordo de Paris em 2018. Mas o que realmente importa na COP23 é a maneira como a presidência de Fiji conduzirá a preparação para o chamado “Diálogo Facilitativo”, também marcado para 2018. Trata-se da primeira conversa séria sobre a insuficiência das metas postas na mesa para limitar o aquecimento global a “bem menos de 2oC” e “envidar esforços para limitá-lo a 1,5oC. Será uma conversa difícil.

Para não dizer que nada avança na diplomacia climática, os fijianos já conseguiram um feito extraordinário: mudar o nome do “Diálogo Facilitativo” para algo mais tropical e sexy, “Diálogo Talanoa”, que remete a pegação na praia luau, batida de coco e espetinho de camarão. O problema é que será necessário mais do que isso. O Diálogo Talanoa precisa desmontar a arapuca armada por Donald Trump, que botou os países em desenvolvimento na defensiva ao suspender os rees para o Fundo Verde do Clima. Sem financiamento adequado, o mundo emergente se recusa a discutir aumento da ambição no corte de emissões. Mas os europeus, que querem ver ambição na mesa, não se dispõem a pagar a parte dos EUA na conta. Restaura-se, assim, o jogo de empurra que produziu 20 anos de inação no clima.

“Um entendimento sem precedentes entre o maior emissor histórico de gases de efeito estufa, os EUA, e o maior emissor corrente, a China, somado a uma costura hábil da diplomacia sa, impulsionou uma trégua histórica na lógica de soma zero que sempre imperou nas negociações”.

Em 2015, o multilateralismo andava nu e falava com os bichos. Um entendimento sem precedentes entre o maior emissor histórico de gases de efeito estufa, os EUA, e o maior emissor corrente, a China, somado a uma costura hábil da diplomacia sa, impulsionou uma trégua histórica na lógica de soma zero que sempre imperou nas negociações. Até Paris, o que tirava os diplomatas da cama era a necessidade de evitar serem ados para trás: se você ganha, eu necessariamente perco. O estabelecimento de regras internacionais para combater a mudança do clima era visto como um esforço de repartição justa de ônus.

O Acordo de Paris foi um dos raros momentos em que o contexto mundial permitiu aos políticos vislumbrar o iceberg climático para o qual tanto ricos (vide os incêndios florestais que arrasaram a chique zona vinícola da Califórnia) quanto pobres (vide os furacões no Caribe e a seca no Nordeste do Brasil) rumavam enquanto seus negociadores discutiam sobre quem era mais incompetente ao timão. Fechou-se um tratado engenhoso, que abria a possibilidade de revisão quinquenal para aumentar a ambição das metas nacionais até que o problema estivesse resolvido. Assim, não seria mais necessário reabrir as regras e rediscutir toda a relação de tempos em tempos, um dos problemas do antecessor de Paris, o Protocolo de Kyoto.

Para obter um acordo, porém, Paris cometeu dois pecados pelos quais teria de responder cedo ou tarde. O primeiro foi estabelecer metas nacionais totalmente voluntárias, as NDCs – uma forma de arregimentar os EUA, cujo Senado jamais aprovaria obrigações internacionais compulsórias. O segundo, decorrente do primeiro, foi chutar para a frente a conversa sobre aumento de ambição, tanto em financiamento quanto em corte de emissões; afinal, em 2015 já estava claríssimo que o conjunto das metas dos países não fazia nem cócegas na mudança climática. Pois bem: o dia do juízo chegou.

A eleição-surpresa de Donald Trump, em 2016, durante a COP22, no Marrocos, expôs toda a fragilidade do arcabouço de Paris. Num sistema baseado em confiança e cooperação (algo que desafia as relações internacionais, geralmente movidas por força e coação), basta um grande jogador dar uma roubadinha para tudo desmoronar. Trump, que enxerga a vida como um jogo de soma zero, deu uma roubadona: suspendeu o cumprimento da NDC americana e cortou a contribuição com o Fundo Verde do Clima, que estaria “custando aos Estados Unidos uma vasta fortuna” (sic).

“Como discutir transparência e comparabilidade das NDCs quando o maior responsável pela mudança do clima não vai nem cumprir a sua?”.

Mesmo que os EUA não melem deliberadamente as conversas da COP de Fiji-Bonn – e nem teriam moral para isso, já que Trump anunciou a saída do Acordo de Paris, transformando seus delegados em mortos-vivos na negociação –, o clima de desconfiança já está instaurado e a trégua na polarização norte-sul já foi minada. Como discutir transparência e comparabilidade das NDCs quando o maior responsável pela mudança do clima não vai nem cumprir a sua? Como exigir de Índia, China e Brasil que ampliem suas metas pífias de corte de emissões quando nenhum país rico quer saber de aumentar seu igualmente pífio financiamento climático e menos ainda inteirar o calote americano? Como fazer avançar o “pacote de solidariedade” de Fiji-Bonn, que inclui um mecanismo de perdas e danos para aliviar países vulneráveis impactados pelo clima (vide o Vietnã, que enfrenta neste momento o tufão Damrey), quando o governo do país mais rico do mundo age segundo a máxima do “eu quero que o pobre se exploda”? Caberá a Fiji, uma nação que teria todos os motivos do mundo para sentir-se injustiçada e amargurada, conduzir a COP e estruturar o Diálogo Talanoa circundando a ausência americana.

Há alguns elementos no mundo real que autorizam algum otimismo: pelo terceiro ano consecutivo, as emissões por uso de energia não subiram no mundo; a China e a Índia tendem a exceder o cumprimento de suas NDCs, o que não chega a ser um alívio para o clima, já que ambas são ridiculamente pouco ambiciosas, mas deve compensar em grande parte a defecção trumpiana; e os investimentos em energias renováveis e a queda do preço da energia solar mostram que cortar emissões hoje significa ganhar dinheiro, não perder. Com ou sem Acordo de Paris, a transição da matriz energética global para longe dos combustíveis fósseis é uma questão de “quando”, não de “se”.

O diabo é que o “quando”, no caso, importa mais do que nunca: o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente sobre o fosso entre metas globais e necessidade climática indica que, se a ambição não crescer até 2020, o mundo ficará impossibilitado de estabilizar o clima sem arrebentar a economia. A menos que alguma tecnologia revolucionária de remoção de carbono do ar ganhe escala, a janela de oportunidade se fecha daqui a pouco.

 

logo Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo.

 

Leia Também 

O que o Observatório do Clima espera da COP23

Com os Estados Unidos fora, Brasil pode ganhar protagonismo no Acordo do Clima de Paris

Trump declara saída de Paris e revolta mundo

 

  • Claudio Angelo 103s18

    Jornalista, coordenador de Comunicação do Observatório do Clima e autor de "A Espiral da Morte – como a humanidade alterou a ...

Leia também 321u5e

Reportagens
1 de junho de 2017

Trump declara saída de Paris e revolta mundo 3v6kw

Americano diz que tentará “renegociar” uma volta ao tratado “em termos justos” e é rebatido pelo presidente da França; Barack Obama diz que seu sucessor “rejeita o futuro”

Análises
5 de junho de 2017

Com os Estados Unidos fora, Brasil pode ganhar protagonismo no Acordo do Clima de Paris x5050

O tratado, assinado por Barack Obama em 2015, colocava como meta a redução de 28% da produção de gases de efeito estufa e envio de U$ 3 bilhões para países mais pobres. Brasil enxerga oportunidade 

Análises
5 de novembro de 2017

O que o Observatório do Clima espera da COP23 p6324

Conferência do clima de Fiji, que começa nesta segunda-feira em Bonn, precisa dar sinais claros de que ambição climática será aumentada

Mais de ((o))eco 731g2p

clima 1c62l

Salada Verde

Países do BRICS querem US$ 1,3 tri para financiar ações climáticas 2k2q6s

Notícias

Crise climática irá encolher o lar de anfíbios na América Latina b3r64

Salada Verde

Presidência da Conferência do Clima anuncia datas da “pré-COP” 6h4r2g

Notícias

Mudanças climáticas irão impactar negativamente mais de 90% das espécies brasileiras 353r5w

Conferência do Clima 2s3ey

Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais 162p3b

Salada Verde

Com cocuradoria de ((o))eco, Abraji lança curso sobre COP30 para jornalistas e comunicadores 5r4y3g

Reportagens

O papel da sociedade civil nas negociações internacionais sobre o clima 7273y

Dicionário Ambiental

O que é a COP? 636g5c

cop 23 4v1i20

Notícias

MMA demite pai de plano de recuperação florestal uma semana após seu lançamento 1r4q5t

Salada Verde

Fijianas – notas sobre a COP23 1m2y35

Notícias

Ministro anuncia plano de recuperação de florestas na COP 23 3k7017

Notícias

Desmatamento dentro das UCs federais amazônicas cai 28% 1o193y

Trump dw3r

Notícias

Decisão de Trump sobre mineração submarina acende alerta global 4z4v69

Notícias

O “carvão limpo” inexistente que Trump quer incentivar 246n49

Notícias

Trump 2.0 – Mais uma semana de ataques ao clima e meio ambiente dos EUA 3l4e2z

Colunas

A Nau dos Insensatos 11724u

Deixe uma respostaCancelar resposta 4b3e52

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.