Colunas

Brasil na encruzilhada: paradoxos entre a sede da COP 30 e a crise hídrica da Amazônia 3h3zd

Enquanto diplomatas discutem soluções para o futuro, milhões de brasileiros já sofrem com a falta d’água. O colapso dos rios amazônicos não é uma previsão – ele está acontecendo

19 de março de 2025
  • IDS - Instituto Democracia e Sustentabilidade 5t3o8

    Instituto Democracia e Sustentabilidade

  • Vitor Hugo Souza Moraes 352e

    Assessor do Projeto Jusamazônia do IDS

Em novembro de 2025, Belém, no coração da Amazônia, receberá a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30). Para o Brasil, essa será uma oportunidade de se colocar no centro das discussões climáticas globais, sediando o evento justamente na região mais simbólica para a crise ambiental. Pela primeira vez, líderes mundiais, cientistas, ativistas e comunidades locais estarão reunidos dentro da floresta para debater os caminhos da política climática internacional. Mas há um paradoxo difícil de ignorar: enquanto o país se prepara para receber uma das conferências mais importantes sobre o futuro do clima, a Amazônia seca, queima e agoniza. O estado que sediará o evento já sente os impactos severos da crise hídrica e climática.

A destruição da floresta não é só um problema ambiental – é uma questão de sobrevivência. A Amazônia regula o regime de chuvas em boa parte da América do Sul, garantindo umidade para lavouras, abastecendo rios que sustentam milhões de pessoas e estabilizando o clima em um dos países mais biodiversos do mundo. Quando árvores são derrubadas, o ciclo hidrológico entra em colapso: menos evaporação, menos chuvas, mais secas e eventos extremos. O impacto já é sentido: secas prolongadas, enchentes severas e crises de abastecimento de água se tornaram parte da nova realidade.

Apesar de os dados de desmatamento na Amazônia terem reduzido no ano ado, o Pará, anfitrião da COP 30, lidera há 9 anos os índices de desmatamento e degradação da floresta. De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em 2024, o estado registrou 1.260 km² de floresta destruída, um aumento de 3% em relação ao ano anterior, mantendo-se no topo da lista dos que mais desmatam a Amazônia. A degradação florestal, que antecede o desmatamento total, cresceu 421% no mesmo período, reduzindo drasticamente os níveis dos rios que abastecem milhões de pessoas. Sem floresta, não há umidade suficiente para manter as chuvas, e sem chuvas, a seca se espalha. As consequências são falta de água, colheitas comprometidas e energia hidrelétrica em risco.

E não é só o Brasil que sente esse impacto. Com menos floresta, os “rios voadores” – correntes de ar que transportam umidade da Amazônia para outras regiões – perdem força, ocasionando estiagens mais severas, quebra de safras e impactos diretos no abastecimento hídrico e na economia. Em 2023, o Rio Negro enfrentou a pior seca em 120 anos, enquanto estados como Mato Grosso e São Paulo registraram estiagens prolongadas que prejudicaram lavouras e o abastecimento de água. Como se não bastasse, as queimadas transformaram esses rios de umidade em “corredores de fumaça”, espalhando partículas tóxicas para diversas regiões do país.

Além do desmatamento, o fenômeno El Niño intensificou as secas, reduzindo ainda mais os níveis dos rios e deixando comunidades inteiras isoladas, sem o à água potável e alimentos. Em 2023, a combinação de El Niño com a degradação ambiental provocou uma das piores secas já registradas na Amazônia, comprometendo a subsistência de milhares de pessoas.

Se o desmatamento atingir entre 20% e 25% da floresta, cientistas alertam que a Amazônia pode perder sua capacidade de regeneração, transformando-se em uma savana degradada. Isso significaria o fim não só da biodiversidade, mas também de um ecossistema essencial para a regulação climática global. 

Vale destacar que os povos indígenas e ribeirinhos, que há séculos protegem a floresta, hoje são os que mais sofrem com a destruição da Amazônia. A seca de 2023, a mais severa em 121 anos, secou rios, inviabilizou a pesca e comprometeu a agricultura de subsistência. Parece absurdo que uma região que concentra 81% da água doce do Brasil tenha 60% de sua população sem o à água potável. Como se não bastasse, a crise hídrica aprofundou desigualdades sociais: escolas foram fechadas, postos de saúde ficaram iníveis e as poucas alternativas econômicas se esgotaram, aprofundando desigualdades históricas. Se a COP 30 pretende deixar um legado real, precisa garantir medidas concretas para fortalecer a resiliência dessas populações, protegendo seus territórios e assegurando soberania alimentar e adaptação climática efetiva.

Belém será o epicentro do debate climático mundial da COP 30 enquanto enfrenta uma de suas piores crises hídricas. Enquanto diplomatas discutem soluções para o futuro, milhões de brasileiros já sofrem com a falta d’água. O colapso dos rios amazônicos não é uma previsão para o futuro – ele está acontecendo agora. 

Se queremos um legado real, precisamos de medidas concretas e urgentes: ampliar a fiscalização, combater o desmatamento ilegal, proteger os territórios indígenas, restaurar áreas degradadas e implementar um plano de segurança hídrica para o Norte do país. O Brasil tem ferramentas subutilizadas que podem ajudar nessa transformação, como o embargo remoto, a jurimetria para análise de responsabilizações, a validação de Cadastros Ambientais Rurais e o fortalecimento do Acordo de Escazú. Dados de recentes estudos da Plataforma JusAmazônia também apontam para a necessidade de aprimoramento do Sistema de Justiça na defesa do meio ambiente amazônico, especialmente em Ações Civis Públicas sobre desmatamentos ilegais e processos em defesa de territórios tradicionais, responsáveis por proteger boa parte das nascentes e vegetação nativa do bioma. A crise climática e hídrica já chegaram, e seus impactos serão irreversíveis se o país falhar em assumir sua responsabilidade.

A COP 30 precisa ser um marco na defesa das águas da Amazônia. O Brasil não pode tratar a floresta apenas como um triunfo diplomático enquanto a crise hídrica se agrava diante dos olhos do mundo. A Amazônia, que sempre abasteceu os rios voadores e regulou o clima de todo o continente, sofre com secas históricas, deixando cidades sem água, lavouras sem colheita e comunidades inteiras sem meios de subsistência. Sem água, não há floresta. Sem floresta, não há chuva. Sem chuva, a Amazônia entra em colapso – e com ela, todo o Brasil. A floresta precisa ser um modelo de desenvolvimento sustentável, onde a floresta em pé represente não apenas biodiversidade, mas também qualidade de vida, soberania alimentar e justiça climática. Com a contagem regressiva iniciada, a pergunta que fica é: conseguiremos agir antes que a última chuva caia?

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

Leia também 321u5e

Colunas
19 de dezembro de 2024

Adiar não tornará mais simples a gestão de resíduos sólidos 155b60

Políticas públicas de gestão de resíduos sólidos são estruturantes para a transição em direção a uma economia circular e precisam ser tiradas do papel

Colunas
14 de outubro de 2024

Transição verde para o setor da agropecuária 16326a

IDS busca integrar conhecimentos e redes de inovações através de diálogos com líderes e especialistas. Na edição de agosto o debate foi sobre a transição para uma economia verde no agro

Colunas
6 de setembro de 2024

Tendências e soluções para a descarbonização do setor de transporte 3s363f

Principal usuário de combustíveis fósseis em todo o mundo, a dimensão do setor de transportes de pessoas e cargas exige abordagem multidisciplinar e com tecnologias diversas

Mais de ((o))eco 731g2p

mudanças climáticas o6b15

Notícias

Até 85% da extração planejada pela Petrobras pode não gerar lucro, mostra estudo 61313j

Salada Verde

Organizações brasileiras pedem que Lula deixe de comercializar petróleo para Israel 3e8w

Salada Verde

Evento ambiental reúne diferentes vozes na Lapa 1ir6n

Salada Verde

Na ONU, Lula pede por mais proteção aos oceanos para combater mudanças climáticas 182e49

amazônia 4f4r5n

Salada Verde

Justiça encaminha inspeção em pedral no Rio Tocantins que pode ser explodido 724e1o

Notícias

Morre Dalton Valeriano, responsável por modernizar o monitoramento do desmatamento no país 4l5f2k

Colunas

O segredo mais bem guardado da política climática brasileira 2y32

Notícias

Onda de apoio a Marina Silva após ataques sofridos no Senado une ministras, governadoras e sociedade civil 4k1r1x

COP 30 57484c

Análises

O falso herói dos mares: por que o GNL ameaça os oceanos e o futuro do Brasil? b1j24

Reportagens

Como tirar do papel a nova estratégia de conservação do Brasil? 44l4

Colunas

Verão em Realengo  242844

Salada Verde

Chance de aquecimento da Terra ultraar 1,5°C aumentou, mostra estudo 4i241u

política ambiental 6s6rm

Análises

O falso herói dos mares: por que o GNL ameaça os oceanos e o futuro do Brasil? b1j24

Salada Verde

Deputado do PL é novo relator do Projeto de Lei do Licenciamento 3d5s57

Salada Verde

PL que institui programa nacional de recuperação da Caatinga avança na Câmara 4c5i2y

Salada Verde

MPF tenta suspender na justiça leilão de petróleo na Foz do Amazonas l4i16

Deixe uma respostaCancelar resposta 4b3e52

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.