O Brasil se comunica com memes. Um dos que eu mais gosto é o do quadrinho com o Capitão Haddock dizendo “Que semana difícil, hein?”, ao que Tintin responde: “Capitão, ainda é quarta-feira.” Hoje, sexta-feira, 23 de maio de 2025, não consigo pensar em outro caminho para definir o que aconteceu nos últimos cinco dias. Petróleo na margem equatorial, implosão do licenciamento ambiental, a morte de Sebastião Salgado e encerramento do Fauna News. Eventos não tão correlacionados, mas que colocam mais um bloquinho no projeto de fim do mundo em que a humanidade se debruça.
Já na segunda-feira, enquanto nos arrastamos entre um café e outro no dia mais longo das semanas, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aprovou os documentos de mais uma etapa do processo de licenciamento requerido pela Petrobras para exploração de petróleo na Foz do Amazonas. A sexta versão. Outras cinco foram negadas anteriormente. Essa é considerada a “última etapa conceitual” para que o projeto saia do papel. Agora parece que é só uma questão de tempo para que se concretize a sanha exploratória que poderá ameaçar uma das regiões mais biodiversas e protegidas do País, além de por em risco as comunidades locais. Tudo em nome de um desenvolvimento que tem tudo para ser uma falácia – é só olhar para Campos dos Goytacazes!
“Ainda é quarta-feira, capitão”. Justo nesse dia parecia não só o fim da semana, mas o fim do mundo. Foi aprovado no Senado brasileiro o Projeto de Lei nº 2159/21, que implode o licenciamento ambiental no País como conhecemos hoje. Com a velha pecha de “modernizar a legislação” ou “pelo progresso”, o projeto votado – que agora volta à Câmara dos Deputados antes de ir à sanção presidencial – é considerado a “mãe de todas as boiadas” não à toa: autolicenciamento, enfraquecimento de órgãos como Funai, Incra, ICMBio e Iphan no processo, descentralização que ampliará a pressão e lobby político em estados e municípios, flexibilidade no uso de água e solo, participação popular reduzida, desresponsabilização de financiadores (como bancos, por exemplo)… tá tudo lá nesse projeto horroroso e que terá impactos atrozes num futuro próximo. Tudo com os aplausos efusivos da bancada ruralista e de parte do governo, afinal dois terços dos senadores votaram pela aprovação, muitos da base governista. O “prêmio cara-de-pau” do ano ao senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, que não compareceu à votação. Será coincidência que um senador do estado mais interessado na exploração de petróleo na margem equatorial também defenda a flexibilização do licenciamento ambiental?
Depois dessa, parecia que nada de pior poderia acontecer nesta semana, mas aconteceu. Hoje, sexta-feira 23 (mas que parece uma sexta-feira 13), o fotógrafo e ambientalista Sebastião Salgado faleceu. No mesmo dia o veículo de jornalismo ambiental independente Fauna News anuncia o seu encerramento.
O Fauna News esteve online ao longo de 15 anos. Foi o primeiro portal jornalístico do Brasil especializado em animais silvestres e cobriu temas importantíssimos relacionados, como por exemplo: tráfico de animais silvestres, atropelamento de fauna, descobertas científicas e tantos outros. A perda de biodiversidade no planeta se acelera, precisa ser reportada, e o encerramento do Fauna News é mais um golpe no já combalido ecossistema de jornalismo ambiental no País. O encerramento do projeto, tocado bravamente por Dimas Marques, reflete a falta de financiamento e modelo de negócio que seja compatível com um jornalismo independente, sem fins lucrativos e que não dependa de anunciantes com extensa pegada de carbono. Apesar de todos os esforços, o Fauna News encerrará suas atividades no dia 30 de maio de 2025.
Sebastião Salgado é um mestre! O fotógrafo faleceu hoje, mas sua obra fica. Apesar de algumas críticas que possam ser feitas (com razão), sua carreira de cinco décadas de atuação profissional nos brindou com duras imagens e reflexões sobre o desenvolvimento econômico e a desigualdade social no mundo. Nos últimos anos, se debruçou sobre o ambicioso projeto Gênesis e mostrou toda sua verve ambientalista, que existe há pelo menos 25 anos via Instituto Terra, projeto que criou em Minas Gerais.
É, capitão, foi uma semana e tanto! Muitas baixas, muitas lutas perdidas. Mas apesar das batalhas perdidas e dos ciclos que se fecham, a luta ambiental tem que seguir. Enquanto diretor de conteúdo do ((o))eco eu posso lhes garantir que seguiremos reportando os retrocessos ambientais e cobrando para que avancemos em agendas socialmente justas e ambientalmente responsáveis. Semana que vem tem mais…
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